Eu li em uma reportagem, muito tempo atrás, sobre as características que definiam o início da civilização - o que marcava a mudança de um "grupo de humanos" para uma comunidade, uma tribo. Um dos marcos que antropólogos e arqueólogos consideram como principal sinal do nascimento da civilização foi quando os humanos passaram a desenvolver rituais para lidar com a morte: enterros, piras funerárias... não pelo ato em si, mas porque ele representa um senso de coletividade, de luto, de organização social e até mesmo de espiritualidade e crença na vida após a morte - conceitos complexos, simbólicos e socialmente compartilhados que são intrínsecos do conceito que definimos como civilização.
Lembrando das pessoas queridas da minha vida que já se foram, nem consigo imaginar o tanto que seria dolorido se não fossem esses rituais. Porque sua função social é grande demais: é apoio para a família (e para nós mesmos).
É homenagem.
É respeito.
É sentir e, principalmente, compartilhar a dor.
E é também reconectar. Com a pessoa que se vai, com as outras pessoas daquele círculo. É rir com essas pessoas, o que nos lembra que estamos vivos e que esse estado é absurdamente fugaz. E não consigo pensar em nada mais importante.
Hoje me despedi de um amigo. Um cara espetacular, que conheço há quase 20 anos. Jogamos bola juntos, saímos juntos, rimos e falamos besteira juntos. Eu sempre fui mais quietão, ele sempre foi um dos que eram a alma da festa. O tipo de cara que juntava todo mundo. Que estava em todas - e mesmo eu sendo mais quieto e não estando em todas (e por mais que tenhamos nos afastado nos últimos anos e os encontros semanais de futebol e papo tenham virado mensais e depois anuais), quando nos víamos nos tratávamos com um baita carinho. Absolutamente nada em nossa interação mudava. Como se o tempo tivesse congelado, conversávamos como se estivéssemos continuando um papo do dia anterior - e boas amizades são assim, não é mesmo?
Ele tinha um abraço forte e caloroso e uma risada solta, divertida. Temos praticamente a mesma idade. Impossível trocar uma ideia com ele e não sair melhor, ele realmente era luz pra todos a seu redor e o tanto de comentários, homenagens e testemunhos dos que o conheciam não me deixa mentir. E é muito triste quando alguém assim se vai... o mundo sai perdendo, e cada um de nós tem um cantinho da alma que fica reservado para as lembranças.
E você vai ser lembrado, querido Vanzo. Sempre. Vai em paz, meu amigo, que pedacinhos de você estarão vivos para sempre na gente. Em tanta gente que você tocou e que gostava de você. E que agora enfrenta a dor e a injustiça de perder uma pessoa tão incrível tão cedo.
Ainda bem que temos esses rituais... a vida seria insuportável sem eles. E neles está parte tão importante de nossa humanidade: a capacidade de conectar, de lembrar e de transformar a dor em presença.