23/01/2009

Os 7 Diamantes Negros - parte I

Gargoth era uma criatura estranha. Seus pés, ou melhor patas, eram como felinas: almofadadas e insensíveis a temperatura. Suas mãos tinham algo de répteis, com uma aderência que permitia tanto escaladas providenciais em uma fuga quanto surrupiar algo com um mero toque. Sua cabeça era uma mistura de humana e coruja, permitia 180° de rotação e tinha visão bilateral. Qualidades que o tornaram um ladrão de reputação em Ellemmon, a terra das mil setecentos e setenta e sete estrelas. Tão famoso que seus serviços eram requeridos por contratantes dos mais distantes confins do planeta. Gargoth não obedecia a rei algum, não se submetia a lei alguma. E por isso mesmo era contratado por diversos reis, de diferentes reinos, com as mais diferentes intenções - das mais nobres às mais vis.

Volta e meia era solicitado, inclusive, por um necromante muito poderoso chamado Yvyvy – uma criatura estranha por si só, nem macho nem fêmea e quase impossível de descrever. As mais bizarras aventuras de Gargoth tinham sido sob contrato de Yvyvy. As mais arriscadas. As mais interessantes e curiosas. As mais perigosas. As mais lucrativas.

Quando ouviu o bater na porta aquela manhã, Gargoth já sabia que era mais uma vez perturbado por aquele misterioso ser. O próprio ritmo com que batia o denunciava. Gargoth caminhou lentamente até a porta e abriu devagar. Yvyvy entrou sem cerimônia, caminhando diretamente para a lareira, buscando aquecer-se do frio do inverno. Em vão: os espessos pêlos de Gargoth o aqueciam, e a lareira estava apagada. Gargoth divertiu-se com aquilo, mas observou enquanto fechava a porta que, com um mero tremelicar dos dedos, Yvyvy pôs a lareira em chamas antes de sentar-se. Na cadeira de Gargoth! Isso o irritava profundamente – sempre que o visitava, Yvyvy tomava posse de sua cadeira favorita: aquela que os anos e anos de uso tinham dado a forma perfeita para acomodar seu peculiar traseiro. Mas Gargoth não se atreveu a expulsar seu visitante. Qualquer outro seria escorraçado na primeira ofensa, ou até morto. Mas Gargoth nutria um profundo respeito – senão medo – por Yvyvy. O mesmo era verdade do outro lado: Yvyvy sabia que Gargoth era praticamente imune a mágicas e feitiços e sabia de suas habilidades, portanto não se atrevia a traí-lo ou tentar qualquer tipo de trapaça, o que diminuía seu controle sobre ele. E isso o irritava profundamente. Por isso evitava chamá-lo, recorrendo a seus serviços apenas quando indispensáveis.

“O que quer, velho?”, grunhiu Gargoth, entre dentes cerrados. “Desembucha logo, para que eu possa voltar a dormir”. Yvyvy deu-lhe um olhar curioso, coçando o anel de esmeralda que usava na mão esquerda. “Vim lhe propor um serviço, criaturinha vil”, disse, por fim. “Um serviço deveras... desafiador. E lucrativo. Talvez o mais lucrativo de nossas vidas.” Gargoth estava sem paciência. “E qual seria, Yvyvy? O que você quer que eu roube dessa vez?”, disse esfregando os olhos com o indicador e o polegar. Sem paciência, mas visivelmente interessado. Yvyvy deu um sorriso macabro.

Continua...
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