10/03/2019

"Mas você escreve tão bem!"

Tudo começou há um tempo atrás / na ilha do soooool quando eu ainda era criança, há muitos anos (tanto tempo que "idéia" e "asteroide" ainda se escrevia com acento, mas divago). Eu me lembro de estar sentado em uma aula de língua portuguesa e a professora elogiar uma tarefa minha de redação - pela imaginação e por ter usado uma figura de linguagem (não lembro qual era o nome, será que era acróstico?) no nome de uma personagem - um "nome-trocadilho" (sim, eu sempre fui infame. Me deixa!): a redação era sobre uma ladra de jóias chamada "Jô A. Lheria". Sim, "jóias" também tinha acento. "Você escreve tão bem!", disse a Tia Lea.

Depois, aos 11 anos, um professor de redação - o Professor Davi - me segurou após a aula para me interrogar sobre uma redação que eu havia entregue. Perguntou várias vezes se eu tinha tido ajuda dos meus pais ou de "algum adulto" para escrever aquela redação. Quando respondi todas as perguntas e ele ficou satisfeito que não (e eu não tinha mesmo), me elogiou e disse que havia ficado "muito impressionado", que "nunca havia dado um 10 na vida", até aquela redação. "Parabéns, viu? Você escreve muito bem!"

Não lembro absolutamente nada dessa redação aí, nem tema, nem trocadilho infame, nada. Mas lembro que entre as perguntas dele tinham muitas sobre o que eu costumava ler. E eu já lia bastante mesmo, e contei pra ele sobre histórias em quadrinhos e livros que lia, como A Mina de Ouro (de Maria José Duprè), O Homem que Calculava (Malba Tahan), O Gênio do Crime (João Carlos Marinho - e depois toda a série que esse livro gerou), toda a série de Monteiro Lobato e alguns de Julio Verne.

Depois veio poesia, vieram HQs e livros mais complexos, com histórias mais complexas. Eu escrevia e sonhava em contar histórias, e lia cada vez mais. De tudo! Lucia Machado de Almeida, Pedro Bandeira, Arthur Conan Doyle, Agatha Christie, Mario Quintana, Drumond, Katherine Neville, Machado de Assis, Alexandre Dumas...

Mas o objetivo aqui não é bater uma punheta intelectual para mim mesmo. Eu só estava tomando banho quando senti uma baita vontade de escrever. E comecei a pensar na razão pela qual era tão mais fácil antes. Como um garoto tímido pra caramba e introspectivo, que passava mais tempo com livros e quadrinhos do que com pessoas, as idéias (com acento) vinham fluidas, fácil e naturalmente. Eu tinha o costume de ficar acordado até muito tarde e ficar viajando olhando o céu, as estrelas e a Lua me fazendo companhia às 3, 4 da manhã. Refletindo sobre as coisas do meu pequeno mundinho, e a paz que isso trazia parecia clarear o pensamento, “lubrificá-los”. À noite, com todos dormindo, eu me sentia mais livre do que em qualquer outro momento. E escrevia. E desenhava. E compunha. E vivia amores impossíveis, sonhos fantásticos e aventuras intensas como só a juventude permite. Mas a vida passa, a gente amadurece, vai tendo mais e mais coisas ocupando a cachola, escreve menos e menos... "Mas você escreve tão bem!", a vozinha no fundo da cabeça me recorda, no escuro. Mas só quando o pensamento é selvagem, solto.

Eu não olho mais o céu da madrugada, as estrelas.

Não tenho mais tempo. São tantas responsabilidades, tantas pressões, sempre tão ocupado, que nem mesmo lembro de fazê-lo. E escrever vira só essa saudade latindo na mente de vez em quando.



...Sinto falta da Lua.


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