24/06/2008

Quarto do Pap-ânico

Sim, esse causo envolve mistérios da igreja católica, exploração de menores mosteiros e catacumbas há muito esquecidos, invasão de privacidade, sacrifícios humanos pancadaria, etc. Começou em 1986, quando meus pais me colocaram em um colégio chamado Santo Américo. E se hoje eu sou um doce de pessoa, na época eu era dez vezes mais. Logo, era natural que eu me engajasse em atividades extra-curriculares como cabular aula, brigar, colar e outras coisas super divertidas absolutamente condenáveis. Tudo parte do meus dia a dia.

Mas o ápice ocorreu no ano seguinte, lá para outubro. Eu e alguns amigos, em uma ação absolutamente atípica, resolvemos cabular as aulas da tarde. Fugimos no final do recreio (recreio!! \o/) do almoço e nos aventuramos pelas matas do Colégio (falando assim até parece que a escola ficava no meio da Floresta Amazônica, né? Acho que para o meu tamanho na época não faria diferença se fosse). Na correria escondida, no maior estilo "McGyver", chegamos a uma construção localizada abaixo do mosteiro que fica dentro da escola. A porta de metal estava trancada, mas uma janela um pouco acima não estava. Entramos e começamos a explorar aquele corredor escuro e úmido. No fim dele, outra porta - essa, de madeira, muito mais antiga e trabalhada - e aberta! Atrás dela, uma sala redonda iluminada apenas por velas, com diversas gavetas quadradas e marcações entalhadas na madeira. O ambiente mofado, a escuridão, as gavetas, o crucifixo no meio da sala - tudo isso demorou para ser processado pelas três aventureiras crianças, até que finalmente um de nós (e eu não me lembro quem) se tocou de que estávamos em uma catacumba. Eu acho que, duas exceção à parte, eu nunca corri tão rápido na vida e saímos de lá em menos de dez segundos. Mas o barulho chamou a atenção dos bedéis (meu vocabulário está muito foda hoje!) e, como bons amigos sempre fazem, cada um correu para um canto e tratou de salvar o seu rabo.

Saí em um prédio branco que eu nunca tinha visto antes (mesmo tendo explorado razoavelmente bem a escola, como dá para perceber). Precisando me esconder e sendo perseguido por um EXÉRCITO de bedéis*, entrei. Estava vazio. As paredes brancas e sem decoração me lembraram terrivelmente um hospital. Havia vários quartos, porrilhões de portas lado a lado tanto à esquerda quanto à direita. E o prédio devia ter uns quatro andares, se lembro corretamente. Enfim, uns 350 MIL quartos, certo? (se bem que, como eu disse, eu era pequeno na época e tudo parecia muito grande)

* Pô, licença poética para a imaginação de uma criança, tcherto? Vai saber se na verdade não eram dois ou mesmo só UM infeliz atrás de mim.

Ouvi passos chegando à porta por onde entrei. Pânico. Subi as escadas correndo - segundo andar roupas, agasalhos e lingeries. Os passos foram diretamente para as escadas. Tinha que me esconder! Primeira porta: fechada. Corri pelo corredor e escolhi outra: estava aberta!!! Entrei e fiquei esperando por alguns momentos junto à porta. Nenhum som. Respirei pela primeira vez desde que entrei no prédio. Olhei em volta: o quarto, limpo e bem arrumado, tinha televisão, uma cama, uma cadeira de madeira. Não era grande, e sobre o criado-mudo uma foto do papa. "Quarto de padre", pensei. Um e outro crucifixo e, dentro de um armário ao lado da TV, garrafas de uísque importado. (como assim, Bial?) Mas era óbvio que o quarto estava desocupado há algum tempo. Então relaxei: deitei na cama (sem nem tirar o tênis, óbvio) e liguei a TV. Depois de uns 15 minutos ou meia hora, sei lá, ouvi um barulho fora do quarto. Me joguei no chão e me arrastei para baixo da cama, tão veloz e silencioso quanto pude. Alguém entrou, ficou parado em frente à porta aberta e saiu - o balde e os pezinhos que eu enxergava eram de alguma tiazinha da limpeza. Fiquei em silêncio em baixo da cama por alguns minutos, e quando achei que estava tranqüilo a porta se abriu novamente e a mão enrugada de um padre me arrancou de baixo da cama. Ele me arrastou para sua sala pelo colarinho (não, seus tarados, naquela época padre não violentava criancinha - ou pelo menos não era pego, mas comigo não aconteceu nada) e eu não entendia picas do que o cara falava, com um sotaque polonês (acho) forte bagarái. Aliás, acho que algumas palavras FORAM em polonês mesmo. Mas mesmo sem entender patavina dava para sacar que o cara estava realmente puto.

Só sei que na sala dele, enquanto o rosto vermelho de indignação do velhinho inchava, ele pegou uma régua de madeira e me mandou estender a mão com a palma para cima. E deu-lhe reguada! Lascou umas boas 4 ou 5. Acho que ele estava tão irritado que nem se tocou do que fazia, porque não sou tão velho que seja da época em que se batia em crianças na escola. E quando ele se tocou que eu estava com os olhos vermelhos, segurando o choro, parou e foi para o outro lado da mesa. Sentado em sua poltrona, explicou que o que eu havia feito era errado por isso, isso e aquilo, ainda mais por causa do quarto em que eu entrei e blábláblá. Eu nem pensava em nada, minha mão parecia que estava queimando, de tão quente. E tinha certeza que ia ser expulso do colégio - e em seguida morto pelos meus pais, óbvio. Mas, para minha total surpresa, ele me mandou voltar para a sala de aula. Nem uma advertência, suspensão, nada. Hoje, pensando friamente, acho que ele se tocou que se alguém soubesse que ele tinha me batido tanto ele quanto a escola estariam fodidos - mas na época só fiquei feliz e extremamente aliviado por não ser expulso! Por que? O grande detalhe, que ainda não contei, é que entre os DUZENTOS MIL quartos em que eu poderia ter me escondido, escolhi justamente o quarto em que o próprio PAPA FICOU HOSPEDADO QUANDO VEIO AO BRASIL em milnovecentosesetentaequalquercoisa. E o colégio, católico talibã, preservava o quarto intocado (só tirando o pó), do jeitinho que ele deixou. Praticamente um templo!!! (ókei que não entendi muito bem até hoje aquelas garrafas de uísque, mas enfim...) E eu subi na cama com o tênis sujo de barro, vi TV e mudei os canais que o Papa deixou na Hebe, mexi em tudo... o padre velhote obviamente surtou, imagina o sacrilégio! E quem pagou foi MINHA mão, que ficou ardendo uma semana. Devia ter contado e meus pais processavam a escola e recolhiam uma grana. ¬¬

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....Se bem que, pensando melhor, conhecendo minha mãe ela provavelmente iria me bater MAIS por ter invadido o quarto do Papa. Melhor deixar quieto... O.o

10 comentários:

Silvinha disse...

Uau, e eu achava que minhas matações de aula tinham rendido!!!

Ah, se eu soubesse que tinha entrado no quarto/santuario do papa teria aprontado alguma... mas, como a sua mãe, a minha ficaria p comigo, e não com o padre sacana (felizmente, nesse caso, sacana apenas por te bater, não por ter feito sacanagem)

kami disse...

Olá!

Eu tb tive lá minha fase de matar aula...mais quarto do papa??? Nunca passei sequer perto disso!

Adorei o texto...muito bem escrito e de um humor fantástico!

Bjussss

Anônimo disse...

Bom, melhor ficar com a mão ardendo do que outra coisa, não??
:P

B. disse...

Isso foi um erro de tradução ou um lapso do escritor, com certeza. Porque a radiação gama são ondas eletromagnéticas e não partículas.
Inclusive a radiação gama é o meu dia-a-dia, meu trabalho é fazer imagens diagnósticas usando substâncias marcadas com emissores gama (como o tecnécio 99m). :P
beijão.

Anônimo disse...

Mas a culpa foi deles carái! Se eles não queriam que o quarto fosse violado, eles que trancassem a merda do quarto!

Mas até que é divertido lembrar disso agora né? hahahhaha.

NayB. disse...

Putz, então quer dizer que o Papa era bebunço... rsrsr

Tbm estudei em colégio religioso, de freiras, e confesso que eu gostava, fazer o que é proibido é muito mais interessante! e emocionante! =)

Xerus
=***

Dany Darko disse...

Se a minha mae soubesse que alguém tivesse me agredido no colégio, ela nao mandava matar, ela mataria pessoalmente. Se fosse por causa do papa, entao, ela explodiria o vaticano. Tah certo que tu devia ser a pior das pestes, mas nada justifica uma agressao fisica a uma criança! Deixa eu te contar que, aqui na França, as maes sentam a mao na cara de suas crias, na frente de todo mundo, e ainda ficam berrando uns impropérios para os pequenos. Eu fico puta da cara com isso! Qualquer dia ainda vou sair na porrada com uma delas...

Anônimo disse...

Rapaz, você pode dizer com mais propriedade do que o Capitão [s] América[/s] Nascimento que pôs na conta do Papa.

E eu. no seu lugar, tinha tomado um uísque pra dar um tempo na queimação da mão.

Reb's disse...

Puuuuuuuuuuuutz, to chocada com a história!! E morrendo de dar risada!!! hahaha
Eu estudei logo ali do lado, no Porto Seguro, e conheço bem o esquema do Sto Américo, porque minha primeira comunhão foi lá (que meigo!)
Eu era mais santinha e fugia menos das aulas (só me revoltei no 3o. colegial), mas era bem divertido fugir dos bedéis! hehehe
E é incrível mesmo como o tamanho dos lugares diminui com a idade, né.. no Porto tb tinha o bosque... quando eu era beeem pequena, lá era a Amazônia tb... no colegial, eu já achava que não passava de um amontoado de árvores no canto do colégio...ehehehe
Enfim... adorei o texto, pra variar!
bj

Anônimo disse...

Você tem que ser exorcizado urgente!!!!!!!!!! hahahahahaha