29/04/2020

Jornada - O Início

As montanhas o observavam de longe, guiando seu caminho. Parado à beira da pequena estrada de terra, sentindo o cheiro do chão seco levantado pela brisa, ele apenas olhava as formas sedutoras ao longe, compelido a encontrá-las.

A escalada era apenas parte de seu objetivo, a adrenalina que viria com ela um prazer adicional a sua jornada: as lendas que ouviu em sua peregrinação atestavam que, escondido nas montanhas, vivia um velho e sábio eremita que saberia segredos incríveis sobre o universo e levaria qualquer um que se tornasse seu aprendiz à iluminação. Mesmo naquele momento, ainda tão distante, mirava as montanhas e sentia uma presença tranquilizante olhando de volta. Reconheceu, pela primeira vez em sua vida, algo que poderia definir como destino.

Deu o primeiro passo, observando à sua volta enquanto as folhas das árvores, agitadas pelo vento, pareciam despedir-se. Como acontece muitas vezes nesses casos, a pequena estrada iniciava em um sentido que o levava para mais longe de seu destino, até que - sinuosa e bela - suas volumosas curvas endireitaram-se novamente à visão das montanhas ao longe. Foram cerca de três horas entre curvas e a mata fechando-se aos poucos conforme chegava ao fim dessa primeira etapa, com morros aos lados apertando o caminho e a terra no chão mais úmida, chegando finalmente a uma pequenina cascata que saía de uma rachadura na parede de pedras e vegetação à sua frente. Com pouco esforço, e não sem antes parar para mergulhar seu rosto e beber da água fresca e cristalina que jorrava, tateou o barro viscoso com mãos firmes, decididas e subiu os cerca de quatro metros até novamente seguir seu caminho, agora sem uma estrada à sua frente, apenas os montes dando-lhe direção. O grande descampado à sua frente ondulava gentil e convidativo antes de chegar ao pé das montanhas. Tirou suas botas e caminhou lentamente, aproveitando a sensação do relvado sob sua pele, com o sol atravessando o céu azulado conforme o dia avançava.

Quando anoiteceu, deitou-se em um pequeno barranco que formava uma depressão aconchegante no gramado e observou as estrelas, que brilhavam como nunca havia podido ver nas grandes cidades em que estava acostumado a viver, e adormeceu lembrando-se de um poema de Mario Quintana:


"Se as coisas são inatingíveis, ora!
Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos se não fora
A beleza distante das estrelas!"

Sonhou pela primeira vez em muitos anos: um sonho leve, claro, colorido e cheio de luz.

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